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terça-feira, 30 de junho de 2015

Porque não nos entrevistam os pais?

Já há algum tempo que tenho pensado num assunto que me tem feito cada vez mais sentido, ou confusão, dependendo do ponto de vista (tão típico em mim)...


Começou no dia 26 de abril quando fui a um Encontro de Pais para "Pensar Educação", organizado por Marta Nabais, responsável pelo blogue OvO e que tem vindo a fumentar estes encontros com o intuito de partilhas conscientes e interessantes.

Este Encontro de Mães Fora do Ovo (assim designado), nasce do coração desta mãe que se vê, no momento de escolher um espaço onde o seu filho, de 3 anos, possa estar a maior parte do dia e onde o tratem com respeito e carinho, tudo aquilo que acontece em sua casa. 

Depois de algumas conversas entre nós, a Marta convidou-me a estar presente neste dia, junto dela, para partilhar alguns conhecimentos, esclarecer algumas dúvida, se fosse caso disso, e ouvir o que cada um tem para contar.
A intenção do Encontro era tentar, em conjunto, arranjar algumas soluções e/ou ideias e encontrar respostas as questões como (cito a publicação do site OvO):

"Como me sentiria se passasse um dia inteiro ali?
Qual o número de crianças, educadores e auxiliares por sala?
Em relação às rotinas... são feitas planificações antecipadas? Porquê?
Perceber o motivo de selecção de grupos, sejam eles homogéneos ou heterogéneos.
Como é que fazem a gestão e adequam as actividades às diferentes faixas etárias?
Confeccionam menus adequados a crianças com hábitos alimentares específicos? Ementa variada?
Se ainda for o caso, questionar o educador sobre a abertura para a amamentação, co-sleeping, fraldas reutilizáveis e ainda como têm por hábito fazer o desfralde.(...)"
 
 
Alguns pais colocaram questões que iam de encontro a alguns dos pontos focados pela Marta. São perguntas que se repetem todos os anos no início dos anos lectivos aquando a entrevista do educador aos pais, umas mais frequentes que outras, provavelmente porque alguns pais se sentem constrangidos ao colocar tantas questões... infelizmente.

Quando cheguei a casa e pensei no momento que tivemos nessa tarde, dei por mim com uma série de questões a invadir os meus pensamentos. Tentei dar resposta às mesmas mas ao mesmo tempo pensava se faria sentido encontrar tantas respostas? Será que uma pequena frase não resumia tudo isso?
Bem.... Nesta altura fará sentido explicar-me.

Depois de dar respostas a pais, a partilhar experiências como profissional de educação, a ouvir ideias e inquietudes... perguntei para mim mesma: E porque não nos entrevistam os pais?

Esta questão surge depois de analisar bem o que fazemos com a família. Então vejamos, por exemplo, o Manual de Qualidade de Creche, deparamo-nos com inúmeras páginas para orientação do profissional, deste o atendimento, à avaliação de admissibilidade, à admissão, depois passa-se para o ponto onde se faz a avaliação das necessidades e expectativas iniciais, faz-se o contrato com o "cliente", preenche-se o processo individual e o programa de acolhimento, existinto para isso uma entrevista entre a família e o colaborador (passa pelo diretor técnico, o coordenador e/ou o educador de infância) e tantos e tantos papeis, tantas pessoas que passam no meio deste processo e ainda correndo o risco de não ser aceite a admissão por qualquer critério fundamentado (ou não) pela instituição ou apenas ficar em lista de espera.


No meio de tudo isto tenta-se transmitir confiança aquela família que não nos conhece de lado nenhum, não sabe quem somos, ao que nos propomos, como trabalhamos, o que nos motiva, o que fazemos no dia a dia com os nossos grupos....

Pergunto então e mais uma vez: Porque não nos entrevistam os pais?

Se nós (profissionais) os enchemos de perguntas para sabermos se a criança é agitada ou tranquila, se dorme pouco ou muito, se usa chupeta ou nada, se usa fralda ou cueca, se come bem ou nem por isso, se tem alergias ou não, que doenças infantis já teve, se já teve doenças ou não, que brincadeiras prefere, se gosta de estar em grupo ou mais isolado, como podemos ajudar na adaptação, e mais e mais e mais... porque não podem os pais, também, nos questionar sobre quem somos, de onde somos, que percurso temos tido, o que nos motiva nesta profissão, o que nos faz continuar, que experiência temos, quais as nossa práticas pedagógicas (reais), se somos casados ou solteiros, se temos filhos, que outras formações realizámos, com que materiais gostamos de trabalhar, como agimos num desfralde, como ajudamos na (bendita e tão falada) autonomia, como se trabalha em equipa quando a mesma é a escola e a família, se fazemos "fichas"...?

Porque não? Sim... que constrangimento é esse de não gostar que uma mãe e/ou um pai conheçam a pessoa que irá estar com o seu filho? Porque é considerado abusivo? Porque não mostramos quem somos a quem deverá confiar em nós?



 
Não fará mais sentido a família "avaliar" melhor a pessoa que ficará com o seu filho do que a instituição que o acolhe, e falo em espaço físico? São as paredes bem decoradas por adultos e o espaço exterior que fazem uma criança sentir-se integrada? São os brinquedos e restantes materiais que fazem com a criança tenha vontade de passar todo o dia naquele local?  São o refeitório e as casas de banho imaculadas que fazem a criança feliz? Não serão as pessoas que fazem as instituições?

Quando pensava nestas questões ia revendo o meu caso. Recordo-me que nas últimas "entrevistas" ou conversas que tive com famílias, aquando a entrada do seu filho na instituição, iniciei com a minha apresentação mas não do género "Olá eu sou a Tina e vou ser a educadora do vosso filho".

Recordo-me que sempre fiz questão de falar abertamente com os pais não só nesse momento mas também em conversas ocasionais e até nas reuniões de pais. Para além de apresentar a instituição, as rotinas, o projeto, o restante grupo, também me apresentava como educadora, como pessoa, como mãe e deixava os pais à vontade para colocarem as questões que quisessem.
Talvez por isso sempre tive excelentes relações com as famílias dos meus meninos. De alguns sou, inclusive, amiga. Claro! Porque não?

Para alguns colegas poderá não fazer qualquer sentido esta última questão mas acreditem que muitas vezes era "mal vista" por dar tanta "confiança" aos pais e quando digo confiança não era questão de nos tratarmos como "tu cá tu lá", era de conversarmos sobre qualquer tema que surgisse, era deixar que entrassem na minha sala, era deixar que participassem em sala, era permitir que dessem sugestões de atividades, era até combinar encontros fora da instituição (e houve alguns memoráveis)... Para mim eram coisas simples que faziam com que as nossas relações fossem isso mesmo, relações!

Sinceramente continua a chocar-me ver certas posturas. Não faz muito tempo que ouvi da boca de uma educadora a seguinte frase "ahh mas na minha sala quem manda sou eu, os pais podem dizer o que que lhes apetecer, terem a opinião que quiserem e até pensarem que eu vou pela ideia deles mas estão muito enganados porque a minha palavra é sempre a última e dentro da minha sala funciona como eu quero".

Eu pergunto: Mas isto é o quê????????
O que ganha esta educadora com este tipo de postura?
Não será pura ignorância e insegurança?

Com o tempo, infelizmente, vou vendo que continuam a haver estes profissionais que em nada dignificam a nossa profissão.
Mas com o tempo, felizmente, vou vendo que outros tantos tentam marcar pela diferença.

Eu continuo a perguntar que constrangimento é este de nos darmos a conhecer? Quem abre a porta da sua casa sem perguntar quem é? Quem atende o telemóvel de uma chamada privada sem duvidar de quem está do outro lado? Quem vai a um médico sem tentar saber se é ou não bom profissional? Quem vai comer a um restaurante e deixa ao critério do empregado de mesa a nossa refeição? Quem não "avalia" primeiro uma pessoa que acabou de conhecer antes de fazer planos de novo encontro com ela?

Então e porque podem ou devem os pais deixar o seu filho com alguém que ´"só" se diz educador?

Faz-me lembrar também um texto fantástico, de um colega nosso, intitulado ""Manifesto contra o colega da porta do lado". Muito pertinente, muito bom!

Aqui se fala de como nos fechamos aos outros, como deixamos que a nossa insegurança nos prenda, como nos preocupamos com estatutos, como damos importância aos resultados finais para bem parecer a diretorias e alguns pais (e outros afins), como nos preocupamos com o "eu" deixando o "outro" para segundo plano. Mas quando este "outro" são os pais ou as crianças a situação tem que mudar! É urgente que se eduquem os educadores, tal como diz Edgar Morin.

E então, fará sentido os pais entrevistarem-nos?
 

1 comentário:

  1. Concordo. Não me parece que seja necessário entrar em questões de foro pessoal, mas pelo menos da sua postura relativamente à educação acho perfeitamente legitimo, e eu confesso que sempre fiz perguntas. Mas acho que isso também é consequencia da pouca exigencia dos pais. devagarinho vamos mudando...

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