Nas últimas semanas, o psicólogo clínico fez um périplo por vários países europeus, tendo sido ouvido no Parlamento Europeu, em Bruxelas, sobre “qualidade na infância”. |
Gordon Neufeld
"A ideia de fazer tudo para que os filhos sejam felizes,
evitando que chorem, está ultrapassada. A teoria de disciplinar sem que a
criança chore está desactualizada, diz Gordon Neufeld, psicólogo
clínico canadiano que esteve em Portugal no final da semana.
“As crianças precisam da tristeza, da tragédia para crescerem. Precisam
de ter as suas lágrimas”, defende. Nos primeiros meses e anos de vida, o
“não” dito pelos pais ajuda a disciplinar, em vez de estragar a
criança. “Estamos a perder isso na nossa sociedade, não admira que as
crianças estejam estragadas com mimos. Afinal, elas são sempre as
vencedoras”, continua o investigador que esteve em Lisboa a convite da
empresa BeFamily, do Fórum Europeu das Mulheres, da Associação
Portuguesa de Famílias Numerosas e da Associação Portuguesa de Imprensa.
Na conferência sob o lema “Vínculos Fortes, Filhos Felizes”, Neufeld
defende que só se atinge o bem-estar através da educação e que esta deve
estar a cargo das famílias e não do Estado. E para garantir o bem-estar
de qualquer ser humano ou sociedade é necessário preencher seis
necessidades.
A primeira é o “aprender a crescer” e para isso há que chorar, é
preciso que a criança seja confrontada, que viva conflitos, de maneira a
amadurecer, a tornar-se resiliente, a saber viver em sociedade.
A segunda necessidade é a de a criança criar vínculos profundos com os
adultos, estabelecer relações fortes. Como é que se faz? “Ganhando o
coração dos filhos. É preciso amarmos e eles amarem-nos. Temos de ter o
seu coração, mas perdemos essa noção”, lamenta o especialista que conta
que, quando lhe entram na consulta pais preocupados com o comportamento
violento dos filhos, a primeira pergunta que faz é: “Tem o coração do
seu filho?”, uma questão que poucos compreendem, confidencia.
E dá um exemplo: Qual é a principal preocupação dos pais quanto à
escola? Não é saber qual a formação do professor ou se este é
competente. O que os pais querem saber é se a criança gosta do docente e
vice-versa. “E esta relação permite prever o sucesso académico da
criança”, sublinha Neufeld, reforçando a importância de “estabelecer
ligações”.
E esta ligação deve ser contínua – a terceira necessidade –, de maneira
a evitar problemas. Neufeld recorda que o maior medo das crianças é o
da separação. Quando estão longe dos pais, as crianças começam a ficar
ansiosas e esse sentimento pode crescer com elas, daí a permanente
procura de contacto, por exemplo, entre os adolescentes com as mensagens
enviadas por telemóvel ou nas redes sociais, muitas vezes, ligando-se a
pessoas que nem conhecem, alerta o especialista.
O canadiano recomenda que os pais estabeleçam pontes com os seus
filhos. Quando a hora da separação se aproxima, há que assegurar que o
reencontro vai acontecer. Antes de sair da escola, dizer “até logo”; à
hora de deitar, prometer “vou sonhar contigo”.
Mas a separação não é só física, há palavras que separam como “tu és a
minha morte” ou “tu és a minha vergonha”. Mesmo quando há problemas
graves para resolver, a frase “não te preocupes, serei sempre teu pai”
ajuda a lembrar que a relação entre pai e filho é mais importante do que
o problema. Hold on to your kids é o nome do livro que escreveu e onde defende esta teoria.
A importância de brincar
A quarta necessidade a ter em conta para garantir o bem-estar dos
filhos é a necessidade de descansar. Cabe aos adultos providenciar o
descanso e este passa por os pais serem pessoas seguras e que assegurem a
relação com os filhos.
As crianças precisam que os pais assumam a responsabilidade da relação,
que mantenham e alimentem a relação, de modo a que elas possam
descansar e, nesse período, desenvolver outras competências. Uma criança
que está ansiosa pela atenção dos pais não está atenta na escola, por
exemplo.
Brincar é a quinta necessidade a suprir. Não há mamífero que não
brinque e é nesse contexto que se desenvolve, aponta Neufeld. E brincar
não é estar à frente de uma consola ou de um computador; é
“movimentar-se livremente num espaço limitado”, não é algo que se
aprenda ou que se ensine. E, neste ponto, Neufeld critica o facto de as
crianças irem cada vez mais cedo para a escola, o que não promove o
desenvolvimento da brincadeira. “Os ecrãs estão a sufocar a brincadeira e
as crianças não têm tempo suficiente para brincarem”, nota o psicólogo
clínico que, nas últimas semanas, fez um périplo por vários países
europeus, tendo sido ouvido no Parlamento Europeu, em Bruxelas sobre
“qualidade na infância”.
Por fim, a sexta necessidade é a de ter capacidade de sentir as
emoções, de ter um “coração sensível”. “Estamos tão focados em questões
de comportamento, de aprendizagem, de educação; em definir o que são
traumas; que nos esquecemos do que são os sentimentos. As crianças estão
a perder os sentimentos quando dizem ‘não quero saber’, ‘isso não me
interessa’, estão a perder os seus corações sensíveis”, diz Neufeld.
Em resumo, é necessário que os pais criem uma forte relação emocional
com os filhos, de maneira a que estes sejam saudáveis. Os pais são os
primeiros e são insubstituíveis na educação dos filhos e são eles que
devem ser responsáveis pelo seu desenvolvimento integral e felicidade.
Se assim for, estarão também a contribuir para o bem-estar da sociedade."
in "Life & Style, Família e Relações - Público"
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